Um contingente de 45 juízes punidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com
aposentadoria compulsória – a mais grave das penalidades administrativas
aplicada à categoria – continua recebendo rotineiramente pagamentos mensais, na
média de R$ 25 mil cada. Com 39 deles o Tesouro já desembolsou R$ 44,6 milhões,
valor estimado a partir dos números do contracheque, do tempo de serviço e dos
meses sem trabalhar. Para os demais não há apurações sobre o valor desembolsado.
As aposentadorias foram decretadas a partir de fevereiro de 2008. A lista de
acusações é diversificada e envolve desde violação ao decoro e conduta
incompatível com o exercício da função até suspeitas de corrupção e
incompatibilidade entre rendimento e movimentação financeira. Há casos também de
busca de “favores íntimos” para proferir decisão, apropriação de arma recolhida
nos autos, conluio com advogados, interferência na distribuição de processos,
embriaguez e até incentivo e colaboração com a exploração sexual de adolescente.
A perda definitiva do cargo só pode ocorrer por meio de ações judiciais.
Raramente, porém, elas são instauradas, porque os tribunais não comunicam os
casos ao Ministério Público. Quando abertas, arrastam-se durante anos.
Enquanto isso, os magistrados continuam desfrutando da remuneração, que, no caso
dos 45 da lista do CNJ, bate no teto constitucional. A relação inclui juiz de
primeiro grau, desembargador federal, desembargador estadual e até um
ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Paulo Medina foi aposentado do STJ em 2010, por unanimidade, acusado de vender
sentenças e ter recebido cerca de R$ 1 milhão para beneficiar empresas de
máquinas caça-níqueis. Calcula-se que o ex-ministro recebeu R$ 1,18 milhão desde
que foi para casa. Uma ação penal contra ele arrasta-se no Supremo Tribunal
Federal desde novembro de 2008.
O defensor de Medina, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay,
disse que essa situação transformou o cliente em “um morto vivo”. “O doutor
Medina quer ser julgado, não interessa que o processo se prolongue
indefinidamente”, afirmou Kakay. “Não há provas, nada que incrimine o ministro.
É um processo turbulento.”
O aposentado mais antigo é um juiz de Rondônia. Afastado há 77 meses, ele já
recebeu R$ 1,94 milhão nesse período. O Estado com maior número de aposentados é
Mato Grosso, com dez togados: três desembargadores e sete juízes de primeira
instância, suspeitos de terem desviado R$ 1,2 milhão do Tribunal de Justiça para
uma cooperativa de crédito ligada a uma loja maçônica.
Banco de dados. Uma resolução apresentada na sexta-feira no CNJ pelo conselheiro
Fabiano Augusto Martins Silveira pretende encerrar situações como as dos 45
listados pelo CNJ. A proposta é criar de um banco de dados para reunir ações
judiciais nas quais é requerida a perda de cargo do magistrado aposentado
compulsoriamente.
Essas informações integrariam o programa Justiça Plena, com inserção no Sistema
de Acompanhamento de Processos de Relevância Social. Fora isso, a Corregedoria
Nacional de Justiça poderá celebrar acordos ou convênios com o Ministério
Público e órgãos de advocacia pública para facilitar a troca de informações, o
que aceleraria as ações contra os juízes infratores.
Silveira defende também um índex aberto à consulta pública. “O controle social é
a ferramenta mais poderosa”, diz. “A sociedade não entende e não aceita mais
esse tipo de privilégio.”