O decreto nº 8.243 da presidente Dilma Rousseff, que institui a Política
Nacional de Participação Social (PNPS), é uma garantia do PT para se manter no
poder, ganhando ou não a reeleição. É o que afirmou ontem, em reunião na sede da
Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o jurista Ives Gandra da Silva
Martins. "Na medida em que percebe o fracasso de seu modelo econômico e a queda
nas pesquisas de intenção de voto, Dilma e o ex-presidente Lula decidem que,
perdendo ou ganhando , terão o poder nas mãos", afirmou.
Para o jurista, o PT, ao "indicar o seu pessoal" para os conselhos populares que
definirão as políticas de governo, garantirá sua continuidade no poder. "De dois
cenários, um: se Dilma for reeleita, ela vai ter todo o aparelho para criar um
governo bolivariano, onde só o Executivo tem poder efetivo, mas, se Dilma não
for reeleita, teremos o próprio governo mesmo que derrotado impondo políticas
àqueles que vierem a ser eleitos e reduzindo o Congresso Nacional a expressão
nenhuma. Os conselhos, dentro dos Ministérios, se transformarão numa quinta
coluna do poder", disse o jurista. "E se o novo governo eleito for cancelar
esses conselhos, eles virão falar em medidas ditatoriais e procurarão
desestabilizar o governo."
Em conformidade com as palavras de Ives Gandra Martins, o presidente da ACSP e
Facesp, Rogério Amato, afirmou que a Casa se coloca ao lado da Constituição
Federal que prevê o Congresso Nacional como representante popular. "A Casa tem
feito uma enorme pressão aos nossos deputados para que impeçam o decreto",
afirmou.
REPERCUSSÃO
Entre outros pontos, o decreto 8.243, que foi assinado pela Presidência da
República no dia 23 de maio deste ano, determina a criação de um colegiado,
formado por membros do governo e da sociedade, para discutir as decisões da
administração pública federal, avaliá-las e propor alterações. "Fica instituída
a Política Nacional de Participação Social com o objetivo de fortalecer e
articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação
conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil", afirma o 1º
artigo.
Dias depois de assinado, parlamentares da base de oposição e até da base
governista criticaram o texto dizendo que ele "esvaziava as funções do Congresso
Nacional".
"Sempre defendi a participação popular, mas não é aconselhável que se utilize de
um decreto para tal ... Quem representa o povo é o Congresso Nacional. O ideal é
que a proposta seja enviada por projeto de lei ou mesmo por medida provisória,
para que sejam aqui aprimorados por deputados e senadores", afirmou o presidente
do Senado, Renan Calheiros (PMDB) semana passada.
O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) elaborou um projeto de decreto que susta o
decreto presidencial. Hoje, este projeto já ganhou caráter de urgência para ser
votado às pressas pela Câmara e pelo Senado Federal. "Esse decreto dispensa o
Congresso legislativo. Em temas de grande importância, não se pode prescindir do
Congresso. Essa cópia de modelo cubano ou venezuelano não estimula o modelo
democrático, se configura de flagrante processo que tem que ser repelido",
afirmou Dias.
REGIME BOLIVARIANO
Ives Gandra afirmou, na ACSP , que está em contato com "diversos parlamentares"
para alertá-los sobre o que acredita ser "um golpe do governo federal para
instaurar um regime bolivariano", mas que eles "só irão pensar nisso depois de
outubro", quando o período de campanha eleitoral acabar. "A impressão que eu
tenho é que eles não estão preocupados. O Congresso já não é organizado e ainda
mais agora em época de eleição que eles precisam ir atrás de alianças". Para
Gandra, é "isso mesmo o que o governo quer: quando chegar em outubro, já terão
todos os conselhos montados e os fundos prontos".
O jurista conclamou os empresários presentes a reagirem contra o que chamou de
"golpe às instituições democráticas" e voltou a criticar a visão "bolivariana"
de Dilma que "vê o Estado como uma figura mitológica e quer agigantá-lo". "Eu li
a Constituição da Venezuela e a da Bolívia e o que vejo neste decreto é muito
similar ao que encontrei nelas: um Executivo com poderes reais, conselhos
soviéticos dentro deles que deliberam sobre tudo, e o Judiciário e o Legislativo
à mercê", finalizou.