Secretário de Haddad defende que país criminalize
enriquecimento ilícito
18/07/2013
Mário Spinelli quer que Congresso vote proposta apresentada em 2005.
Texto obriga servidor suspeito a provar origem de bens.
Roney Domingos
Fonte:
G1 São Paulo
secretário Spinelli (Foto: Roney Domingos/G1)
Spinelli fará campanha para que enriquecimento ilícito seja crime (Foto: Roney
Domingos/G1)
O controlador geral do município de São Paulo, Mário Vinícius Spinelli, disse
nesta quarta-feira (17) ao G1 que o Brasil, "ao não criminalizar o
enriquecimento ilícito de servidores públicos, está contrariando compromissos
internacionais que o país assinou, como a convenção da Organização das Nações
Unidas (ONU) e a Convenção da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra a
corrupção.
Ex-secretário de prevenção da corrupção e informações estratégicas da
Controladoria Geral da União (CGU), Spinelli defende que o Congresso volte a
debater e aprove o projeto de lei 5.586/2005, de
autoria da CGU, que altera o Código Penal para nele incluir que o crime de
enriquecimento ilícito. Entusiasmado com os protestos de junho contra a
corrupção, ele inicia uma campanha e busca apoio nas redes sociais para que a
proposta saia da gaveta. "Queria muito que esse tema estivesse na pauta das
reivindicações da sociedade", afirmou.
O texto defendido por Spinelli estabelece que o funcionário público que possuir,
manter ou adquirir injustificadamente bens ou valores de qualquer natureza
incompatíveis com sua renda ou com a evolução de seu patrimônio fica sujeito à
pena de três a oito anos de prisão. Também indica as mesmas penas ao funcionário
público que, embora não figurando como proprietário, faça uso,
injustificadamente, de bens ou valores.
Segundo Sponelli, atualmente o servidor com patrimônio incompatível com sua
remuneração goza de relativa tranquilidade. Ele pode sofrer sanção
administrativa e demissão ou ser processado por improbidade administrativa. Não
existe ainda a possibilidade de sanção na esfera criminal. "O servidor não vai
para a cadeia, não vai responder, porque o enriquecimento ilícito não está
previsto no Código Penal brasileiro", afirmou.
Segundo Spinelli, atualmente só é possível criminalizar a conduta do servidor se
o órgão de controle conseguir vincular esse enriquecimento a um crime
antecedente de corrupção, o que não é simples. "Isso dá ao corrupto uma posição
muito confortável, porque se não foi identificado o ato de corrupção, ele sabe
que, depois, o patrimônio dele - com todas as dificuldades que o Estado tem para
ter de volta esse bem - não vai ser afetado e ele não vai ter de arcar com sua
liberdade. Ele pode ser processado na esfera civil, mas já estará milionário."
A proposta de lei formulada na CGU busca prencher esse vácuo. "A nossa ideia é
que essa vinculação (entre o crime e o enriquecimento) não seja mais necessária.
Caberá ao servidor comprovar a origem de seu patrimônio. E, não comprovando,
isso já é uma conduta criminosa. A obrigação de provar que seu patrimônio tem
origem lícita caberá ao agente público e não ao Estado."
Responsável pela criação da Controladoria Geral do Município, que desde o início
da gestão Fernando Haddad (PT) conduziu investigações que resultaram na prisão
de cinco servidores suspeitos de propina, Spinelli exige do funcionalismo
municipal paulistano a declaração de patrimônio e verifica os casos de
incompatibilidade entre salário e riqueza dos servidores. A proposta foi
questionada na Justiça, sem sucesso, por uma associação de servidores. A CGM
também abriu uma plataforma para colher denúncias de corrupção pela internet.
O secretário ressalta que a aprovação do projeto que criminaliza o
enriquecimento ilícito não interfere no direito dos servidores, e deixa claro
que deve ser resguardado o respeito à defesa e ao contraditório. "Às vezes, ele
tem outras fontes de recursos, pode ter recebido herança ou ganho na loteria.
Essa é uma análise que o governo tem de fazer", afirmou.
Ele diz que é difícil saber o motivo de o projeto não ter sido aprovado. "Há
correntes doutrinárias a favor e contra. Há juízes que defendem que o
enriquecimento ilícito, por si só, não é um crime. Você tem que ter um crime
antecedente. Isso já foi vencido no caso da lavagem de dinheiro. Hoje não há
mais essa lógica do crime antecedente", afirmou.
Spinelli se mostra animado com o fato de uma comissão de juristas encarregada de
analisar a reforma do Código Penal ter se posicionado favoravelmente ao projeto.
"Agora é só uma decisão de nossos parlamentares, de colocar em discussão e
votar."
17/07/2013-03h30
Mario Vinicius Spinelli: É hora de criminalizar o enriquecimento ilícito
As recentes manifestações
populares fizeram o Poder Legislativo brasileiro aprovar medidas de combate à
corrupção que por longa data permaneciam empoeiradas nas gavetas do Congresso.
A aprovação de leis com potencial para inibir a prática de atos contra o
patrimônio público, como a que tornou a corrupção crime hediondo e,
principalmente, a que estabeleceu a responsabilização administrativa e civil de
empresas por atos contra a administração pública, é importante para a prevenção
e o combate à corrupção no país.
No entanto, não há motivos para comemorações antecipadas. Muito ainda falta até
que a impunidade seja reduzida. Além do debate fundamental sobre o financiamento
de campanhas eleitorais e de outras questões centrais como o fim do foro
privilegiado, outros temas importantes precisam ser postos em discussão pelo
Poder Legislativo.
A premente reformulação do irracional rito processual brasileiro, que permite a
postergação indefinida da aplicação das penas aos corruptos, uma legislação que
regulamente e dê transparência à atividade de lobby e outra que proteja os
denunciantes de boa-fé são alguns exemplos do que precisa ser feito.
Nesse contexto, a criminalização do enriquecimento ilícito de funcionários
públicos é uma das mais importantes medidas na tentativa de penalizar
adequadamente aqueles que usaram em benefício próprio recursos de origem ilegal.
Isso porque o Brasil, contrariando compromissos internacionais dos quais é
signatário, entre eles a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a
Convenção Interamericana contra a Corrupção, não inclui, nas condutas
tipificadas em seu Código Penal, o crime de enriquecimento ilícito. O argumento
de que tal prática é resultado de um crime que a antecedeu e, portanto, não um
crime por si próprio não pode e não deve prevalecer.
No caso específico da corrupção, a falta de criminalização do enriquecimento
ilícito tem efeitos devastadores. A identificação de agentes públicos com
patrimônio totalmente incompatível com sua remuneração ou oriundo de outras
fontes ilícitas fica sujeita apenas a sanções na esfera administrativa e civil,
como as previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Ou seja, funcionários que enriqueceram recebendo propinas ou desviando recursos
públicos não podem ser penalizados criminalmente, caso não reste comprovado o
crime antecedente da corrupção ou similar, mesmo que não consigam comprovar a
origem lícita de seu patrimônio. Ocorre que usualmente seus bens foram
adquiridos não à custa de uma ou outra atividade isolada, mas de práticas
ilícitas muitas vezes levadas a cabo durante anos.
Cesar Habert Paciornik
Além disso, em muitos casos, o servidor já se encontra afastado da atividade que
lhe proporcionou enriquecer, ou até mesmo aposentado, o que, por óbvio,
dificulta a identificação do crime de corrupção que originou sua riqueza.
Assim, além da pequena probabilidade de terem de devolver aos cofres públicos o
dinheiro desviado, considerando as já reconhecidas dificuldades para recuperar
tais valores, corruptos podem atuar tranquilamente, certos de que não terão que
pagar com sua liberdade por haverem enriquecido de forma ilícita.
O projeto de lei nº 5.586/2005, que estabelece a pena de três a oito anos de
detenção, além de multa, para enriquecimento ilícito de funcionários públicos,
elaborado pela Controladoria-Geral da União e encaminhado ao Congresso Nacional
há quase uma década, precisa urgentemente ser discutido e aprovado.
Em 2012, a comissão de juristas encarregada de reformular o Código Penal já deu
sua valorosa contribuição, posicionando-se favoravelmente à criminalização de
tal prática. Resta agora aos nobres parlamentares movimentarem-se e colocarem o
tema na pauta das mudanças. A sociedade brasileira agradecerá.
MÁRIO VINÍCIUS SPINELLIé
controlador-geral do município de São Paulo e ex-secretário de Prevenção da
Corrupção da Controladoria-Geral da União